«A presente edição reflete pequenos ajustamentos de atualização da obra, introduz quatro poemas não publicados nas edições anteriores, agrega os textos de canções e outros poemas, mantendo a sua ordenação cronológica, conforme foi a vontade de José Afonso para a primeira edição. […] Curiosamente, como se a ordem cronológica dos poemas desse um sentido inverso ao destino, o seu primeiro poema, “Pela Quietude das Tuas Mãos Unidas”, é uma profunda reflexão sobre a tristeza e o mistério da morte, e o último, “Alegria da Criação” (1985), é uma reflexão sobre a vida e a alegria da criação, sobre aquele sopro inicial que temporariamente nos visita e nos faz renascer através da inquietação e do desassossego.» [Do Prefácio de Jorge Abegão]
SOBRE O AUTOR:
José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos — José Afonso, ou o Zeca Afonso para a família, para os amigos, e para muitos — nasce a 2 de agosto de 1929 em Aveiro, Portugal. Reparte a infância e a adolescência entre Portugal, Moçambique e Angola devido às funções do pai, como juiz. Faz o liceu e a universidade em Coimbra, onde, a partir de 1940, integra diversos grupos de estudantes cantores do fado de Coimbra. Como cantor, faz parte da Tuna e Orfeão Académico e impressiona pelo timbre notável e pela interpretação. No início da década de 50, inicia a sua atividade literária publicando alguns poemas dispersos por revistas e jornais, tais como Via Latina, Pentágono, Jornal de Sintra ou Folha de Tondela. Grava o primeiro disco em 1953 e, entre 1958 e 1961 (Balada de Outono; Baladas de Coimbra), distancia-se do fado de Coimbra, depois de terminar o curso em Histórico-Filosóficas com uma tese sobre J.-P. Sartre e o existencialismo. Entre 1956 e 1964, José Afonso percorre o país como professor, lecionando em várias escolas e liceus do Centro, Alentejo e Algarve. Em 1963, grava «Os Vampiros», canção proibida pela polícia política (PIDE) mas que se torna voz de uma crescente contestação perante o endurecimento do regime ditatorial. Em 1964, viaja para Moçambique como professor, onde é fortemente influenciado pela cultura popular africana, marcando definitivamente a sua evolução musical (e política). É forçado pela PIDE a abandonar Moçambique e instala-se em Setúbal nos finais de 1967, onde exerce como professor. É de imediato impedido de o fazer pela polícia política.
Segue-se um período muito intenso e criativo de 1968 a 1973, em que edita um disco por ano, marcado pelas lutas estudantis e proletárias na Margem Sul, envolvendo José Afonso em muitas atividades dinamizadoras de apoio a essas lutas. São publicados os livros Cantares e Cantar de Novo, reunindo textos de canções e alguns poemas. É preso pela PIDE em abril de 1973. É na Prisão de Caxias que produz uma parte significativa da sua obra poética. Em março de 1974, no I Encontro da Canção Portuguesa, promovido pela Casa da Imprensa, num Coliseu dos Recreios repleto, é proibido de cantar (como outros) pela PIDE, mas o concerto termina com a música «Grândola, Vila Morena» cantada em uníssono. A 25 de abril desse ano, a «Grândola» é a senha radiofónica que confirma a revolta militar do MFA para derrubar o regime. Voltam as gravações em finais de 1976, seguindo-se álbuns com um cunho político e social, mas também de grande pujança poética e qualidade musical. Em 1982 é-lhe diagnosticada esclerose lateral amiotrófica. O seu último espetáculo em Lisboa realiza-se no Coliseu dos Recreios, a 29 de janeiro de 1983, editado em disco duplo mais tarde nesse ano, e grava os dois últimos discos de originais em 1983 e 1985. Em 1983 é publicado o livro Textos e Canções, reunindo, pela primeira vez, a sua obra poética, que inclui poemas nunca publicados e que vão além do seu reportório poético-musical. José Afonso morre em Setúbal, a 23 de fevereiro de 1987. Mais de 30 000 pessoas saíram à rua no seu funeral para prestar homenagem a uma das maiores figuras da cidadania e cultura portuguesas, cujo legado permanece vivo e atual.