«Quando, há cerca de 15 anos, cheguei pela primeira vez a Ouro Preto, o Génio que a protege descerrou, como num teatro, o véu das recordações que, mais do que a sua bruma, envolve estas montanhas e estas casas — e todo o presente emudeceu, como plateia humilde, e os antigos actores tomaram suas posições no palco. Vim com o modesto propósito jornalístico de descrever as comemorações de uma Semana Santa; porém os homens de outrora misturaram-se às figuras eternas dos andores; nas vozes dos cânticos e nas palavras sacras, insinuaram-se conversas do Vigário Toledo e do Cónego Luiz Vieira; diante dos nichos e dos Passos, brilhou o olhar de donas e donzelas, vestidas de roupas arcaicas, com seus perfis inactuais e seus nomes de outras eras. Na procissão dos vivos caminhava uma procissão de fantasmas: pelas esquinas estavam rostos obscuros de furriéis, carapinas, boticários, sacristães, costureiras, escravos — e pelas sacadas debruçavam-se aias, crianças, como povo aéreo, a levitar sobre o peso e a densidade do cortejo que serpenteava pelas ladeiras.»
10%