«A correria tira o sentido a tudo. A berraria impede que se diga ou que se oiça um único fragmento de um único pensamento. O abuso das imagens atordoa o receptor ao ponto de o mensageiro matar completamente a mensagem. Quando dentro de um mesmo ecrã temos pelo menos quatro possibilidades de zapping e nenhum marco discernível nos indica o que é que é prioritário no meio de tanta informação, ficamos sem filtros e só conseguimos ouvir um imenso ruído de fundo que constitui a banda sonora de uma espécie de aurora boreal digitalizada, e ainda por cima passada de fast forward a fundo. Não há uma fracção segundo de silêncio que nos permita pelo menos respirar fundo e tentar pôr as ideias em ordem antes de passarmos ao ponto seguinte. Quando vemos televisão, pura e simplesmente entupimos os neurónios até estarmos completamente drogados. O ópio do povo recicla-se, e estão sempre a ser sintetizadas novas fórmulas. Cada vez mais precisas e eficazes.
Como até estas fórmulas podem encontrar organismos que lhes são resistentes, como precaução adicional recorre-se à censura.
Existe.
Existe mesmo.
Mas, uma vez mais, é impossível de combater porque não se vê.»
10%