«O que não a deixava dormir era também o perigo que respirava no ar, a inquietação que lhe vinha das sombras da noite, dos vultos que rondavam lá fora debaixo da janela, que faziam ranger as tábuas do corredor e vinham experimentar a porta do quarto, eram as vozes que não conhecia e ciciavam pelo buraco da fechadura, gemiam o nome dela, fazendo-lhe calafrios de terror. Muitas vezes não era talvez ninguém, era o sangue de todos aqueles homens mortos de cansaço, àquela hora estendidos a dormir, mas cujo desejo se levantava e vinha como um fantasma chamá-la com um carinho que eles não sabiam ter, com uma doçura tão penetrante que a fazia estremecer num arrepio também quase de desejo, a fome dos machos sequiosos que ela sentia pegar-se-lhe à carne, e que quanto mais queria sacudir de si mais lhe ia amolecendo a vontade.»
SOBRE O AUTOR:
Branquinho da Fonseca nasceu em Maio de 1905 em Mortágua. Era lho do escritor Tomás da Fonseca. Estudou Direito em Coimbra, onde colaborou com José Régio e João Gaspar Simões na fundação da revista Presença.
Escreveu contos, novelas, romances, poesia e teatro. Foi director do Museu-Biblioteca Condes de Castro Guimarães e impulsionou o serviço de Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian.