«— olha. Olha o gajo,
e o bando volta-se, têm blusões de couro, kispos, botas cardadas, o dedo indicador apontado para ele. E riem. Não lhes vê as caras, não as consegue ver, confundem-se com as outras que passam, com a oscilação da sombra das árvores, com algumas folhas em queda, são borrões cheios de grúmulos escuros. Carne: murmura. Carne: repete. Um monte de carne. As mãos agarram-na, erguem-na, e depois atiram-na para o cepo. Um som molhado e flácido cola-se à madeira e espalha-se nela, como água que se derrama: Uma bela carne. Os rapazes ainda ali estão, mas encostados a uma casa, uma perna dobrada e o pé apoiado na parede. Têm as mãos nos bolsos. E parecem esperar. Às vezes, voltam- se uns para os outros e falam. Outras vezes, falam sem se voltar, olhos fixos na rua, como se falassem para ninguém. São palavras isoladas, talvez insultos, que fazem virar a cabeça a algumas pessoas, e apressam outras. O homem passa os dedos pela casca de laranja. E os rapazes aproximam-se dele, aos pares, os ombros gingam, acompanhando o movimento dos pés. Os blusões abertos mostram as T-shirts brancas cujas pregas se desfazem e refazem ao ritmo dos passos. Cercam-no. São tantas as cabeças inclinadas para ele, lá no alto, deixam entrever a copa amarelada das árvores, com os seus buracos de luz. A boca de um poço. Ouvia-se a rapariga a gritar: estou aqui, estou aqui. Olhava-se em volta e não se via ninguém.»
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