«Na memória, de resto, a felicidade é qualquer coisa como um poço de beatitude em que nada acontece e nada falta: um espaço em branco, mas um branco brilhante. Daí que Tolstoi afirmasse que as famílias felizes não tinham história, e Hegel, que os períodos de felicidade são como vazios na história dos povos. Outro paradoxo, pois: a felicidade é uma das formas da memória mas também como que o reverso amnésico da mesma. Recordamos o momento feliz como aquele em que nos esquecemos de tudo o resto. Precisamente porque não há nada realmente que contar da felicidade, é que nos agarramos à sua recordação — à recordação de um vazio, de um espaço em branco, de uma perda — com a força inamovível e algo ridícula de um ato de fé. Enquanto objeto concetualizável, a felicidade é opaca, revela-se refratária à tarefa reflexiva. A sua expectativa ou a sua nostalgia dão que pensar, mas ela própria — enquanto presença recordada — não.»
O Conteúdo da Felicidade
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