TRADUÇÃO DE MARIA LAMAS.
«Quando se ama a vida, eu diria sob todas as suas formas, tanto as do passado como as do presente — pela simples razão de que o passado é maioritário, como diz não sei que poeta grego, sendo mais longo e mais vasto do que o presente, sobretudo este estreito presente de cada um de nós —, é normal que se leia muito. Por exemplo, durante anos li a literatura grega, às vezes de uma forma mais intensa, durante longos períodos, ou ao contrário, aqui e ali, viajando com este ou aquele filósofo ou poeta grego na bolsa. No final, reconstruí a cultura de Adriano: sabia mais ou menos o que Adriano lia, a que é que se referia, a maneira como olhava certas coisas através dos filósofos que lera. Não disse a mim própria: “Preciso de escrever sobre Adriano e informar-me acerca do que ele pensava.” Julgo que nunca se chega lá desta maneira. Acho que temos de nos impregnar de um assunto por completo até que ele saia da terra, como uma planta cuidadosamente regada.» [De De Olhos Abertos — Conversas com Matthieu Galey, de Marguerite Yourcenar]
SOBRE A AUTORA:
Marguerite Yourcenar (quase um anagrama do seu apelido verdadeiro, Crayencour) nasceu a 8 de Junho de 1903 em Bruxelas. Escreveu romances como Memórias de Adriano e A Obra ao Negro, e várias novelas. Publicou poesia e traduziu Virginia Woolf, Kavafis, Henry James e espirituais negros. Foi ainda ensaísta e crítica.
Primeira mulher eleita para a Academia Francesa, em 1980, afirmou não conceder importância a tal distinção.
A sua infância foi invulgar. A mãe morreu quando ela tinha dez dias, sendo educada pela rígida avó paterna e pelo pai, ligado à aristocracia, um viajante inconformista que desempenhou um papel de relevo na sua formação pessoal e literária.
Marguerite Yourcenar passava os Invernos em Lille e os Verões, até aos 11 anos, na propriedade familiar em Mont Noir. Estudou em casa e o seu pouco memorável livro de poemas, Le Jardin des chimères, saiu em edição de autor quando tinha 18 anos.
Acompanhou o pai em viagens a Londres, durante a Primeira Guerra Mundial, à Suíça e a Itália, onde descobriram a Villa Adriana.
Em 1929 publicou o seu primeiro romance com um título de influência gideana, Alexis ou Tratado do Vão Combate, que é, com Fogos e O Golpe de Misericórdia, um dos seus raros textos que abordam temas da actualidade.
Depois da morte do pai, em 1929, Yourcenar decidiu gastar a herança numa vida de boémia, passada entre Paris, Lausanne, Atenas, as ilhas gregas, Constantinopla, o Cáucaso e Bruxelas.
Teve relações amorosas com algumas mulheres e apaixonou-se por um homossexual, André Fraigneau, escritor e editor da Grasset.
Foi nesse período que saíram os Contos Orientais, o fragmentário Fogos e a novela O Golpe de Misericórdia, baseada numa história que lhe foi contada por familiares dos protagonistas e que se desenrola durante a guerra polaco-soviética de 1920.
Em 1939, o seu conhecimento da Alemanha nazi e a falta de recursos levaram-na a partir para os EUA, juntando-se a Grace Frick, sua companheira havia dois anos e com quem viveu até à morte desta, em 1979. Yourcenar tornou-se cidadã americana em 1947, tendo ensinado Literatura e História da Arte.
A partir de 1950, instalou-se com Grace na ilha de Montes Desertos, designando a sua casa em madeira por Petite Plaisance.
O que lhe permitiu deixar a sua actividade docente foi o êxito internacional de Memórias de Adriano (1951).
Durante o período que viveu em Northeast Harbor, na ilha de Montes Desertos, Yourcenar realizou diversas viagens, algumas longas, com o seu último secretário, Jerry Wilson (em meados dos anos 60 visitara Lisboa, Sintra, Évora e a Madeira).
Marguerite Yourcenar gostava de ser ao mesmo tempo reconhecida e quase inacessível. Era reservada e altiva, uma alma ardente e um pensamento exacto, com uma escrita capaz de iluminar a tragédia sem lhe dissipar por completo as sombras. Dominava o grego, que aprendeu com o pai, e o latim. Eram-lhe familiares muitos textos antigos.
A sua obra percorre variados registos, desde o inicial romance realista às obras passadas na Antiguidade ou no Renascimento, inscrevendo-se deliberadamente à margem das correntes dominantes, num estilo clássico que se demorava na sageza dos pensamentos. A filosofia greco-latina e os pensadores renascentistas influenciaram muito do que escreveu.
Faleceu a 17 de Dezembro de 1987. Está enterrada no Cemitério de Brookside, em Somerville, no Maine.