Tradução (do alemão) e nota prévia de António Sousa Ribeiro.
Este livro reúne todos os textos narrativos breves de Kafka. Isso abrange “não apenas a totalidade da prosa narrativa curta publicada em vida de Kafka, mas também uma selecção das publicações póstumas mais ampla do que a incluída em edições ou traduções correntes. […] O critério de selecção visou incluir, tanto quanto possível, todos os textos cuja forma ou cujo estado de desenvolvimento permite conferir-lhes um certo grau de autonomia, deixando de lado tão-somente tentativas de carácter embrionário ou interrompidas antes de uma suficiente definição da intenção textual. A selecção incidiu apenas sobre textos de carácter narrativo, não contemplando os fragmentos de natureza ensaística ou aforismática.”
[Da nota prévia de António Sousa Ribeiro]
SOBRE O AUTOR:
Franz Kafka nasceu a 3 de Julho de 1883, no bairro judeu de Praga, lho de Julie Löwy e do comerciante Hermann Kafka. Teve cinco irmãos, dois rapazes desaparecidos na infância e três irmãs mortas em campos de concentração nazis.
Frequentou o ensino primário na escola alemã Deutsche Knabenschule, o que terá influenciado a escolha da língua em que irá escrever, apesar de saber checo e em diversas ocasiões ter estudado o iídiche.
Os estudos liceais foram no gymnasium alemão, em Praga. Estudou depois Filologia na Universidade Alemã de Praga e terminou uma licenciatura em Direito em Novembro de 1903. Aos 20 anos, escreve a novela “Crianças na Estrada”. Em 1906, exerce actividade como advogado e, dois anos depois, emprega-se na Repartição de Seguros de Acidentes de Trabalho para a Boémia.
Kafka vai escrever o essencial da sua obra entre 1908 e 3 de Junho de 1924 em Praga e Berlim.
Ao longo desses dezasseis anos, viajou por diversos países, por vezes em companhia de amigos, entre os quais Max Brod. Passou temporadas em sanatórios, sobretudo desde que lhe foi diagnosticada tuberculose em Setembro de 1917. Teve também relações amorosas com Felice Bauer, Milena Jesenská, Julie Wohryzek e Dora Diamant.
Mas, para ele, o essencial na vida foi a escrita, os seus três romances incompletos, os diários, os contos e as novelas.
O carácter singular do seu universo viria a ser sublinhado por Walter Benjamin, nos escritos que lhe dedicou e na correspondência que teve com Gerhard Scholem, por Maurice Blanchot, Jorge Luis Borges, Vladimir Nabokov e Giorgio Agamben, e por muitos outros escritores e ensaístas.
O seu universo ficcional foi marcado por uma concepção mística da tradição e pela experiência do homem na cidade moderna, dependente de um aparelho burocrático controlado por instâncias indiferentes, remotas e por isso cruéis.
Um tal poder discricionário encarnava nos chefes de família e foi isso que Kafka viu em Hermann, como mostra a sua Carta ao Pai. Instituições estatais e patriarcas uniam-se para inscrever labirintos de culpa em espíritos como o de Kafka.
Como escreveu Walter Benjamin, “Kafka vivia num mundo complementar”, que ele observava sem ter em conta o que cava para além dele.
Para Kafka, a realidade chegava na forma de um rumor das coisas autênticas e dessa espécie de loucura que era a essência das suas personagens.
Da vida de Kafka sabemos o que nos chegou através da correspondência, dos Diários e de Max Brod, que ele conheceu em 1902 e que viria a ser o seu primeiro biógrafo e depositário do testamento literário (recusou-se, no entanto, a cumprir a vontade de Kafka de que lhe queimasse os manuscritos após a morte).
Dos seus três romances, O Desaparecido é o menos kafkiano, e O Processo, o mais celebrado. Borges considerou não ter sido por acaso que nos romances faltam capítulos intermédios, pois “também no paradoxo de Zenão faltam os pontos infinitos que Aquiles e a tartaruga têm de percorrer”. A Metamorfose é uma novela quase perfeita que faz a ponte entre os romances e os volumes de contos que nos deixou, dos quais “Durante a Construção da Muralha da China”, Na Colónia Penal e o póstumo “Um Artista da Fome” são talvez os mais extraordinários. Deixou ainda aforismos e um extenso diário, que reduz a uma linha a notícia do início da Primeira Guerra Mundial.
Internado no sanatório de Kierling, perto de Viena, em 1924, na fase terminal da sua tuberculose, Kafka pediu ao seu amigo e médico Robert Klopstock que o ajudasse a morrer, quando verificou que estava a perder a fala.