A VIDA BREVE

Brausen escuta através da parede as conversas entre um homem e uma mulher, cujos gestos, corpos e sentimentos procura adivinhar. Juan Maria Brausen pretende escrever um argumento para um filme e vive com Gertrudis, convalescente da operação a um dos seios. Para preencher o vazio físico que se abre na sua relação amorosa, Brausen imagina histórias. No decorrer desse relato inquietante há uma progressão inelutável rumo à violência, à sordidez e à fusão de factos e fantasia. Assim, Brausen transforma-se em Juan Maria Arce e para escapar da degradação, adopta uma terceira personalidade, a de Díaz Grey, e inventa uma cidade, Santa Maria, que será o cenário de contos e romances posteriores de Onetti. Essa cidade imaginária, misto de Buenos Aires e das cidades uruguaias, é o cenário perfeito para a galeria de personagens onettianos de existências irremediavelmente fracassadas.
Com este romance é inaugurado o espaço da literatura rioplatense, Santa Maria. Não é a turbulenta Buenos Aires nem a melancólica Montevideu, mas um lugar intermédio e incerto a meio caminho entre as duas margens do Rio de la Plata. A dicotomia entre a identidade e a ausência de identidade, a recorrente preocupação com o papel desempenhado pelo destino na vida do ser humano e o mundo onírico como impulso, atingem em A Vida Breve um elevado grau de intensidade.
Eric Nepomuceno afirma que a obra de Onetti está «toda ela impregnada dessa atmosfera – nebulosa, enevoada – dos sonhos interrompidos. Os seus personagens continuam a tentar sempre, por inércia ou desespero, encontrar um sentido para as suas vidas. Naquele que talvez seja o seu melhor romance, A Vida Breve, um personagem dá uma pista básica do mundo de Onetti: “O mal não está em a vida nos prometer coisas que nunca nos dará; o mal é que as dá durante muito tempo e depois deixa de dar.”»