“A um sinal da vidente, a bola de cristal, idêntica no tamanho e na transparência à que a criada flamenga oferecera a Luísa no dia da chegada a Bruxelas, iluminou-se como uma lâmpada. A vidente apagou a vela e, na obscuridade da quadra miserável, recitou uma lengalenga num dialeto inidentificável. A bola brilhava mais e mais, refulgia agora, astro fasto ou nefasto, e os olhos da mulher refletiam essa luz mágica. — A Lua! — exclamava. — O prazer e a culpa numa mesma e única identidade. Não é vulgar, um destino assim. O melhor e o pior numa total confusão. Oh, meu Deus! Não é possível! — Não é possível?! — perguntava ele, entre a curiosidade e o receio. Governada pela dúvida, a vidente era agora uma Lady Macbeth. João Baptista via-se transportado à Idade Média e esforçava-se por reter os pormenores da cena, para mais tarde a integrar numa novela histórica. — A Lua, a maldita, a enganadora Lua de Bruxelas. Tudo pode acontecer quando ela aparece. O melhor e o pior. Acontece sempre o melhor e o pior. Mas eu prefiro não entrar em pormenores. Não quero ver, não quero ver…”
SOBRE O AUTOR:
Amadeu Lopes Sabino nasceu em Elvas em 1943. É ficcionista e ensaísta. Entre os romances publicados destacam-se A Homenagem a Vénus (1997), A Lua de Bruxelas (2000), A Cidade do Homem (2010), As Claras Madrugadas (2015), O Todo ou o Seu Nada (2018) e Tempo de Fuga (2021). É também autor de vários contos e novelas como O Retrato de Rubens (1985), Novelas Imperfeitas (1991) e Vidas Apócrifas (2005). Em 2014 publicou a recolha de ensaios Entre Dois Séculos — Viagem ao Passado Próximo.