TRADUÇÃO E PREFÁCIO DE ANTÓNIO SOUSA RIBEIRO.
“É assim que, no conjunto da produção de Musil, o ensaio ocupa uma posição central, como busca permanente daquela ‘configuração única e imutável’ capaz de cristalizar uma forma de pensamento heterodoxa, anti‑sistemática, prismática, densamente auto‑reflexiva, atenta, por definição, aos sinais do contemporâneo. Em parte, por condicionamento da sua sempre muito precária situação económica, foi muito abundante a actividade de publicação de Musil em jornais e revistas — nalguns períodos da sua vida, dedicou‑se intensamente à crítica teatral e, em menor escala, à crítica literária. A produção ensaística em sentido próprio, mesmo que definida segundo o critério amplo que foi o da presente selecção, destaca‑se com clareza destas publicações de natureza jornalística, mas acompanhou também, mesmo que com intermitências e com acentos diferentes, toda a trajectória literária de Musil. Desde 1911, ano de publicação de ‘O Obsceno e o Patológico na Arte’, até Março de 1937, data em que foi proferida a conferência ‘Da Estupidez’, contabilizam‑se várias dezenas de ensaios de que o presente volume apresenta uma selecção largamente representativa.” [Do Prefácio de António Sousa Ribeiro]
SOBRE O AUTOR:
Robert Musil, nascido em 6 de Novembro de 1880 em Klagenfurt, na Áustria, é um dos autores mais importantes do modernismo europeu. A par de Kafka, Joyce ou Proust, foi um dos renovadores mais salientes da prosa literária nas primeiras décadas do século XX. O seu romance inacabado O Homem sem Qualidades, um monumental retrato satírico do ocaso do Império Austro-Húngaro e, por extensão, da Europa nas vésperas da Primeira Guerra Mundial, constitui um exemplo da forma moderna do romance ensaístico. Filho de um engenheiro e professor universitário, Musil começou por estudar Engenharia Mecânica na Universidade de Brünn (Brno), completando o curso em Julho de 1901. A formação técnico-científica iria deixar marcas muito visíveis em toda a sua obra.
Após prestar o ano de serviço militar requerido a todos os licenciados, estagia na Universidade Técnica de Estugarda, mas irá depois para Berlim, em 1903, dedicando-se aí a estudos de psicologia experimental e de filosofia e orientando-se cada vez mais para uma formação humanística, através das mais amplas referências filosóficas e literárias. É na Universidade de Berlim que se doutora, em 1908, com uma tese sobre Ernst Mach. A publicação, em 1906, do romance Os Desvarios do Pupilo Törleß marcou uma entrada fulgurante na vida literária do espaço de língua alemã — nenhuma outra das suas obras viria a obter um sucesso comparável. A experiência da Primeira Guerra Mundial, em que combateu no exército austro-húngaro, iria alterar profundamente a sua vida e obra. Nos anos 20, tem uma presença assídua em jornais e revistas, com abundante produção crítica e ensaística, mas também no âmbito da ficção literária (esta parcialmente recolhida no Espólio em Vida, que publicou em 1936), mas dedica o melhor dos seus esforços ao seu grande projecto, o romance O Homem sem Qualidades, de que publicaria uma primeira e uma segunda parte em 1930 e 1933, respectivamente, mas que não chegaria a completar, deixando inéditos alguns milhares de páginas. Após a anexação da Áustria pela Alemanha nazi, em 1938, Musil fixou residência na Suíça — primeiro, em Zurique, depois, em Genebra — com a mulher, Martha, com quem se casara em Abril de 1911. Em 15 de Abril de 1942, sucumbiu a um enfarte cerebral.