«Shakespeare mostra desde as primeiras palavras de Macbeth que o seu herói é vítima de uma agressão tão difícil de combater como pesada de consequências. Ele era, dizem-nos, a lealdade, a coragem, mas eis que as forças do mal decidem ali, diante de nós, sobre o próprio palco, implicá-lo num plano que o ultrapassa, já que se trata nem mais nem menos que do destino de uma dinastia que está ainda no poder na Escócia e em Inglaterra quando a peça é escrita. (…) O facto de se desencadearem contra Macbeth, que tenha sido desta alma que decidiram apoderar-se, e que possam tê-lo induzido aos seus projectos criminosos provando-lhe que têm o dom de adivinhar o futuro, é de qualquer modo um singular azar para este obscuro chefe de clã. É verdade que os três demónios que o prendem assim na sua armadilha só podem triunfar sobre a sua vontade porque há nesta uma falha, virtual ou já real: com Shakespeare, e apesar dos restos de paganismo que ele é capaz de perceber na Escócia, estamos no mundo cristão do livre-arbítrio em que o Diabo tem grande poder mas em limites precisos. Macbeth, que sucumbe tão facilmente e que tão depressa vai tornar-se uma figura negra, não pode ter sido antes de a acção começar um verdadeiro justo e uma alma pura. Mas a escolha de que foi objecto aumentou o perigo em que se encontra, desloca o nosso olhar de um nível do mal para outro, mais interior e menos perceptível (…) que a simples vulgar ambição ou o gosto pela rapina ou a morte. Macbeth não é inocente, mas foi no início uma alma tão insidiosamente afectada que não sabia sequer que era culpada.»
Yves Bonnefoy